El viaje de la muerte



  Diz uma antiga lenda sobre uma viagem que duas pessoas fizeram, a mais incrível até hoje relatada. Esta lenda se intitula " El viaje de la muerte". Foi um fato que virou história, e a história virou lenda. Um mito esquecido por muitos, lembrado por poucos. Meros mortais com suas mentes impregnadas com coisas que ainda hoje não entendem. Eu sou um deles. Foi um antigo ancião indígena que me contou esta história, quando estava prestes a morrer. Suas últimas palavras foram "passe adiante, não deixe a lenda morrer". Ainda hoje eu faço isso, esta missão honrosa de manter vivo este mito no coração e mentes de todas as idades. Algo que todos devem conhecer. Uma lição da vida. Poucos sabem a verdade sobre este fato, que foi relatado em primeira pessoa, anônimo, em pergaminhos empoeirados, e que agora vou lhes contar:

  Tudo começou pelo fim, o fim da várzea. Queríamos desbravar o nosso querido planeta Terra escolhendo ao léu um ponto estratégicamente perdido no mapa. Mal sabia onde estava me metendo. Eu só queria "pegar um ar" com meu irmão, fazer um programa de irmão; mas virou um programa de índio. Logo que começamos a viajar na maionese, já estávamos perdidos. Não sabíamos o que fazer; caímos de paraquedas, caminhando por um lugar desconhecido. Já havíamos passado por uma canoa furada, tenda indígena, maloca indígena, coqueiro, samambaia, boteco, esquina, banco, banco de sentar, barraco, açude, valão, cemitério, carroça, bicicleta de uma, duas, três, etc... rodas, jumento, burro, mula, e também animais. Só se via o que não prestava. Não valia a pena olhar pro horizonte. Até que achamos ter achado alguma coisa. Um projeto de algo que se esforçava em tentar entrar no mapa. Um lugar chamado.... cidade. Mas... uma coisa eu não entendia. Nesta terra parecia que a vida se entrelaçava com a morte. Tudo que eu via vivo tinha o seu contraponto na outra vida. Aparecia então o mulambento vivo, e o mulambento morto. O velho vivo, e o velho morto. O gato vivo, e o gato morto (não morre depois de 7 pauladas). E o rato só tinha morto mesmo (por causa do gato vivo). Eu e meu irmão, cansados de caminhar em vão, querendo algo que não fosse nossas pernas, a nos levar para o ponto escolhido no mapa, e que, ao acaso, chegaríamos. Até que, do nada, um ônibus de turismo caiu do céu, literalmente pelo barranco acima. E por sorte, ía pra algum lugar. E vinha de outro, da guerra, pois tava uma coisa... Entretanto, neste momento nós não tínhamos mais dinheiro pra embarcar (gasto em balas de menta e salgadinho miliopã). Entretanto (mais um...) o motorista do ferro-velho pareceu gentil em nos oferecer carona, totalmente grátis. Só nos pediu para assinar um contrato requisitando um "por conta em risco". No começo eu não entendi a burocracia toda do negócio. Parecia uma coisa chique, europeu. Mas alegria de pobre dura pouco. Eu me esforçei para não "cair a ficha", mas caiu. A realidade nua e crua me apareceu. Tudo bem que a gente só queria viajar num ônibus que nos levasse vivos ao nosso destino, sem se preocupar se esse ônibus fosse confortável ou não. Mas quando entramos para embarcar, e colocamos o derradeiro primeiro pé, aí começou! Uma passagem ao inferno sem bilhete de volta. Tá certo que a gente não se importava com conforto, mas meu Deus, o que que era aquilo!!! O que nós passamos ao entrar não foi desconforto, foi castigo. Eu acho que tava pagando os meus pecados que tinha feito , os que ia fazer e dos que tavam comigo no ônibus. Começando aos poucos, pra não assustar os mais incautos. Primeiro começando pelo pessoal que estava com a gente no mesmo ônibus. Eu não costumo julgar a beleza física das pessoas, costumes, ou raça, etc... mas.... sinceramente.... quem estava com nós, viajando, era a tribo dos apaches. Só faltou eles dançarem e cantarem rituais tribais. Eu me senti meio deslocado, um peixe fora da água. "Me jogaram aqui por engano" pensava. Por momentos, "milésimos de bilhionésimos de segundos" eu achava que iam sacrificar alguma coisa, ovelha, alpaca, coelho, sei lá....Como se isso não fosse bastante, havia o tal desconforto "diferente". Era tipo um Plus as avessas. As poltronas eram, vamos dizer assim, apertadas, pra não dizer coisa pior. A função do assento, onde nós estávamos sentados, que seria de sentar, parecia conspirar a ser uma prensa a nos embolotar com o banco à frente. Pra completar, havia os "pequenos" incomodos que as pernas dos companheiros de viagem, sentados atrás de nós, causavam, encostando...err.... atirando-as de encontro às nossas frágeis e delicadas colunas. De repente o tempo começou a virar. Era a tal da frente fria que ouvimos nos noticiários de tempo e que nunca pensamos que vai acontecer conosco, mas o destino é cruel. Foi então que eu vi algo do além... dos meus olhos. Não era qualquer frente. Era "A Frente". Parecia que o El Niño ia fazer um piquenique com a família toda em cima do ônibus. A coisa toda começou a ficar preta pro meu lado. Entretanto parecia (numa leve esperança) que o ônibus aguentava o tranco. Então comecei a olhar em volta: as janelas tinham vidros; os vidros tinham buracos; os buracos tinham vento; e o vento, por sua vez, um adorável frescor congelante. Sorte minha que através do vidro eu podia ver, na paisagem, muitas coisas. Mas por não existir luz no fim do túnel da rodovia, não tinha noção se valia a pena ser visto; até porque nós estávamos num mato-sem-cachorro. Pela primeira vez eu tive a verdadeira noção do escuro, o que ele é, o que faz e de onde veio. Não sabíamos onde o ônibus andava e para onde ia. Sem perceber, por não ver nada mesmo, nos encontramos num vazio infinito, sem luz e sem esperança.... . Então, no meio desta indiada toda, presenciei o quanto o local era limpo justamente quando a natureza me chamou à privada. Obediente como um vira-lata, fui logo no banheiro....Minha nossa!! Que susto levei.... Parecia filme de sexta-feira 13, mas em vez de sangue, era mijo. Tava uma muvuca aquele banheiro. A sujeira e a desorganização era tanta que ficava difícil achar a privada, e chegar à ela, sem antes esbarrar por papel higiênico, baldes de agua suja, vassouras quebradas e poças de um líquido estranho amarelo. Tudo isso alavancados pelos sutis tremiliques que o nosso querido ônibus insistentemente fazia. Chegando à bendita, o que tu fazia ali dentro, passava direto por um buraco estratégicamente posicionado para cair bem no meio da estrada. Não sei se a minha visão ou meu olfato que foi mais maltratado. O cheiro que exalava, não era cheiro. Aquilo não tinha classificação. Uma mistura de rato morto e podre, e gato molhado, e morto, não necessariamente nessa ordem. Insuportável. Eu pensava que era a minha hora de morrer. A pior lembrança de banheiro que tive na minha vida; tenho sequelas até hoje. E a porta do banheiro! Não tinha como fechá-la. Tava arrebentada por um vândalo. Então eu pensei em encostá-la por um momento, mas o ônibus, sacolejando mais que pipoca em microondas, a abria e fechava a seu bel prazer. O banheiro ficava tão perto da entrada do transporte, que as pessoas quase embarcavam pra dentro dele. As mais espertas desconfiavam que era um banheiro e seguiam reto. E eu ali, com pessoas passando do meu lado, com a porta aberta, sem privacidade nenhuma. Nenhuma pessoa normal conseguiria se concentrar e fazer o que tinha que fazer. Foi uma luta desumana deixar a porta fechada, uma guerra perdida, em que não dependia de mim. Estava além das minhas capacidades psicológicas e físicas. Não tinha o que fechasse aquela encrenca. Caminhar e se movimentar dentro do ônibus era outro martírio. Bandos de massas corpóreas se jogavam contra nós. Era um empurra-empurra medonho que quase nos jogava janela afora. Nós andávamos se equilibrando entre cabeças, braços e pernas mal posicionadas. Não havia espaço pra se mexer. Andar era um privilégio de poucos. A hora da refeição então era um-deus-nos-acuda. Nos serviam coisas que nossos olhos não entendiam. O cérebro via como uma ameaça à humanidade. Migalhas e detritos (quase) alimentares eram vistos fazendo parábolas astronômicas,ricocheteando em nossos corpos limpos e arrumados. Mas que baita sacanagem! Quando eu fui me ligar na pindaíba em que estava metido, aí já era tarde. Eu estava envolvido demais para simplesmente sair ileso daquilo tudo.
Por que eu fui entrar nesse ônibus! Porque eu, e não outro? Que erros tão graves eu cometi para merecer isso. Nenhum ser mortal, em sua sã consciência, teria coragem, ou burrice, de entrar nessa furada. Eu ainda hei de superar esse trauma. Minha vida foi afetada. Eu fui afetado. Sempre que posso, se não for muito longe, tipo alguns quilômetros, eu evito ônibus, e vou a pezito mesmo. Mesmo ralando o pé, vou me consolando do fato de não estar mais andando de ônibus, fato que me remete ao fatídico dia em que tive o azar de fazer a pior viagem que um mortal pode fazer.

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